E se o planeta falasse, o que ele diria, e como? Em “Cartas da Terra: Uma breve contextualização introdutória”, Thiago Ambrósio Lage nos apresenta à geolingüística, uma ciência que estuda a comunicação da Terra. Confira a seguir!
Cartas da Terra: Uma breve contextualização introdutória
Thiago Ambrósio Lage
Apesar dos constantes avanços em fitolinguística e da já consolidada área da zoolinguística, que levou à comunicação bilateral com algumas espécies e ao surgimento de legislações inclusivas no tocante ao direito dos animais, a geolinguística ainda é uma ciência de passos lentos, como o desenvolvimento das estalactites.
Dentre os trabalhos de destaque, é possível citar a tese da Professora Doutora Amélia Valeriana sobre a composição de granitos de diferentes origens e os padrões emergentes da quantidade, frequência e tamanho do quartzo, feldspato e mica em sua composição. As relações entre os minerais foram analisadas de acordo com diversos modelos matemáticos, sendo que o modelo de relacionamento harmônico musical tridimensional foi o que simulou o comportamento dos minerais com maior grau de confiança. No ano seguinte à publicação da tese, o coral universitário apresentou um concerto com arranjos a três vozes, representando a tradução do modelo de cada variedade de granito analisada. Apesar da adaptação em forma de música, o significado das mensagens entre os minerais não foi desvendado.
O trabalho da Professora Doutora Elpídia Nascimento representou um avanço ao analisar a posição dos íons metálicos na estrutura cristalina de uma amostra de turmalina melancia. O posicionamento dos íons e a interface entre as áreas de coloração verde e rosa da amostra indicaram estrutura semelhante a um diálogo quando analisada via inteligência artificial alimentada por redes neurais. Apesar de um claro padrão de perguntas, respostas e contraperguntas, não foi possível compreender o conteúdo do diálogo.
Em paralelo a essas publicações, o centro de observação de gêiseres no deserto do Atacama, no Chile, passou a analisar a composição dos jatos após alguns deles apresentarem variação na coloração. A cada novo jato, havia a predominância de algum elemento químico diferente. Fenômeno semelhante aconteceu em gêiseres nos Estados Unidos, Islândia e Nova Zelândia. A variação da composição dos jatos foi publicada em revistas de geoquímica, com jatos dos EUA apresentando um alto grau de semelhança com os da Nova Zelândia. Um estudante hondurenho de geologia, interessado em geolinguística, conseguiu identificar o padrão do gêiser chileno ao observar a tabela com os jatos e sua composição na ordem em que ocorreram. Considerando os símbolos dos elementos identificados, mesmo que em quantidades traço, eles formavam palavras: o gêiser falava espanhol.
A sequência de elementos repetia-se indefinidamente. Segue abaixo a transcrição, a conversão para o espanhol e a tradução para o português (após análises mais precisas, identificou-se que, nos jatos contendo Hidrogênio, havia uma proporção elevada de Deutério; logo, o símbolo H ou D foram considerados equivalentes):
S Al U H Os Ac U I Es La Ti Er Ra Pt U Na C Ar Ta Pa Ra Ti Pt Mo U Y H I F I C I Li Ac Ca Pt Li Os Ge I S Er Es Ir Re Ge U La Re S Ti Eu Ne N U N Mn Se Ge Eu N Co H I Ge O Mo Rh Se Pt Th Ra H U C Am Lu Pt
"Saludos, aquí es la Tierra. Una carta para ti. Muy difícil acá. Los géiseres irregulares tienen un mensaje en código Morse. Tradúzcanlo."
"Saudações, aqui é a Terra. Uma carta para vocês. Muito difícil aqui. Gêiseres irregulares têm mensagem em código Morse. Traduzam-na."
E, assim, o campo da geolinguística, que avançava lento como o crescimento de um cristal, convulsionou-se como uma erupção vulcânica, dando origem instantaneamente a rochas magmáticas. O mesmo texto estava presente em inglês nos EUA e na Nova Zelândia e em islandês na Islândia. A partir desse momento, a duração, intervalo e ordem dos jatos de todos os gêiseres irregulares ao alcance de cientistas passaram a ser registrados e traduzidos.
Os textos, assim como suas interpretações e desdobramentos, foram e ainda estão sendo publicados em diversos trabalhos, chamados por alguns de Cartas da Terra, e por outros de Manifesto de Gaia. Mesmo com a diversidade na nomenclatura, uma conclusão é unânime: é imperativo ouvir o planeta.
Thiago Ambrósio Lage vive em Palmas e é professor e doutor em Biotecnologia. Algumas de suas publicações são “Romantífica”, livro de contos (Urutau, 2023); e os contos “Seis estrelas” (Revista Escambanáutica, 2022), “Carnaval encarnado” (Revista A Taverna, 2021), “Teste Anti-Turing”, na coletânea LGBTQIA+ “Violetas, unicórnios e rinocerontes” (Patuá, 2020) e “The Witch dances” (Eita! Magazine, 2020).
Edição: Luísa Montenegro
Revisão: Moacir Fio
Ilustração: Nathália Pimentel
Não erra nunca! Adorei! <3
maravilhoso (porém meu coração de fśica nuclear, lendo isso na minha base secreta de atividades nucleares, INFARTOU quando você quis considerar hidrogênio e Deutério como equivalentes haushaushauhsuhsauh)